quinta-feira, 7 de outubro de 2010

LIVRO DE MÃE DE MARIA CLÁUDIA PROPÕE OUTRO OLHAR SOBRE A PERDA DE PARENTES

Livro de mãe de Maria Cláudia propõe outro olhar sobre a perda de parentes


A ideia é compartilhar, com o público infantil, a compreensão sobre a impermanência da vida

Leilane Menezes

Publicação: 07/10/2010 08:00

A vida de Cristina Del’Isola, 52 anos, é um constante reaprender. Há seis anos, quando perdeu de forma brutal a filha Maria Cláudia, que à época tinha 19 anos, a mãe experimentou uma dor que não tem nome. Impossível de descrever ou classificar. Ao lado do marido, Marco Antônio, e da outra filha, Maria Fernanda, Cristina teve de se habituar a viver com um vão na alma, em uma casa mais vazia. O ódio, porém, não fez morada no coração dela. Em lugar do ressentimento, ela cultivou a vontade de fazer o bem como forma de superação.

Cristina viveu uma tragédia familiar que chocou a sociedade, deu a volta por cima e hoje chegou à conclusão de que a superação é mais valiosa do que alimentar sentimentos de vingança

O passo mais recente nessa jornada será apresentado no próximo sábado, durante a Feira do Livro. Cristina vai lançar a publicação infantil O canto e o encanto de uma estrela. A história leva às crianças a mensagem de que a morte, chamada pela autora de “reencontro com Deus”, não precisa ser encarada como o fim. Pode ser vista como um recomeço. No livro, Cristina revela os desejos da estrelinha Maria Cláudia. A personagem viaja por um mundo colorido, que as ilustrações do artista Amílcar Mendes ajudam a visualizar. Vai em busca de paz, solidariedade, respeito, amizade e de ensinar as pessoas a valorizarem a vida.

A estrela vai a bibliotecas, diverte-se com amigos e ensina a todos como tornar o mundo um pouco melhor. Do mesmo jeito que fazia a Maria Cláudia da vida real, uma jovem bonita, de sorriso acolhedor, adepta da caridade. “Quando eu não tive notícias da minha filha, os primeiros lugares que denunciaram a ausência dela foram as bibliotecas. Ela estava sempre na da UnB e na do Ceub. Elementos da vida dela estão na historinha”, explicou Cristina. Em maio, uma biblioteca que leva o nome da jovem foi inaugurada no Instituto Nossa Senhora da Piedade, na QI 5 do Lago Sul. A casa abriga 130 meninas que terão acesso à leitura.

Depois de uma passagem pela vida marcada pelo bem, a estrela é chamada de volta por Deus, que está com saudades de sua presença. “Feliz com o regresso, Ele as transforma em belos e alegres anjos. Num lindo arco-íris brincam e cuidam das novas estrelinhas que ali chegam, cumprindo sua missão no Céu de fazer com que com seus bons pensamentos do lado de lá permitam que, do lado de cá, sejamos pessoas melhores. Sempre lembrando que os problemas podem ser superados quando se tem a certeza de que a vida é um grande presente”, conta o trecho da história.

Conforto

Cristina não planejou escrever um livro. “A história brotou, ficou pronta em uma semana. Escrever esse livro foi uma carícia de Deus para o meu coração. Não posso dizer que escrevi sozinha. Tive a inspiração da Maria Cláudia. O criador me ensina todos os dias que preciso cumprir a missão de transformar a dor em esperança”, disse. Ela teve o apoio do Movimento Maria Cláudia pela Paz(1) na execução do projeto. Recebeu também colaborações da Editora FTD. Os artistas Ysrael Rodrigues de Oliveira e Amílcar Mendes, o ilustrador, também cederam seus talentos para ajudar a causa de Cristina.

A autora usou elementos da natureza na tentativa de repassar valores essenciais ao ser humano. “Eu falei de estrelas e nuvens. Elas dão o clima de encantamento de um mundo de fantasias. Eu jamais me mudaria da minha casa para não perder a visão que eu tenho do céu. Sempre procuro a estrela mais brilhante. É como uma oração. Isso também me inspirou”, afirmou.

Cristina quer eternizar a imagem de uma Maria Cláudia de bem com a vida. “Apesar de ter partido de uma forma tão cruel, Maria Cláudia jamais iria querer que a história dela fosse contada de forma triste. Ela era uma menina muito positiva, muito do bem. É essa a imagem que as crianças que acompanharam essa história toda devem guardar”, acrescentou.

Superação

A mãe de Maria Cláudia é professora e psicopedagoga. Dedicou mais de 30 anos à carreira de educadora. Preferiu escrever para o público infantil, pois pretende plantar uma semente do bem. “Maria Cláudia amava crianças. Penso que a esperança tem de estar nas crianças, no amanhã. Nós, os adultos, somos responsáveis por mostrar que a maior riqueza é a vida”, explicou. “Os educadores desempenham ainda mais esse papel do enriquecimento humano, apesar da pouca valorização na nossa atividade.”

O livro terá tiragem de mil exemplares, capa dura e 11 páginas. O preço ainda não foi definido, mas será acessível. A renda será revertida para as instituições de caridade que o movimento ajuda. Elaborar a publicação também foi uma forma de preencher o vazio para Cristina. “Quem passa por uma dor como essa, a de romper com a ordem natural das coisas e enterrar um filho, sempre traz um sentimento impossível de definir”, explicou.

Mas ela não se deixa abater. É uma fortaleza. “Tentamos preencher esse espaço das mais diversas maneiras, dentro dos princípios que nos fortalecem, como ajudar a espalhar ideias do bem. Tentamos nos ocupar dos melhores pensamentos, para sermos pessoas melhores.” Católica praticante, Cristina se apega a Deus. Reza em memória da filha, em um altar que construiu iluminado e perfumado, com uma bonita pintura de Maria Cláudia ao fundo, feita por Amílcar Mendes.

Todos os dias, quando Cristina abre seus olhos cor-de-mel para ver a vida novamente, ela se sustenta na fé. Acredita no ser humano, apesar de tudo aquilo que ele lhe tirou. De toda a tragédia, ficou uma vontade imensa de fazer o bem. “Apesar de termos todos os motivos do mundo para estar desmotivados, dessa lama de sentimentos, é depois das piores tempestades que o sol brilha mais forte”.

1 - Pelas realizações

Por volta de 580 pessoas participam da iniciativa. O grupo é voltado para a prática de ações sociais, em entidades sem fins lucrativos que precisam de auxílio. Abastece esses locais com remédio, comida e calor humano. Mas o tipo da ajuda varia. O movimento já contribuiu até com casais que queriam oficializar a união, mas não tinham condições financeiras. O importante é realizar sonhos, sempre em nome de Maria Cláudia.

Entenda o caso

A morte da estudante de psicologia e pedagogia Maria Cláudia Del’Isola, em dezembro de 2004, chocou o país. O caseiro e a empregada da casa onde ela vivia com a família, no Lago Sul, assassinaram a jovem de forma bárbara. Durante dias, a família sofreu sem notícias da filha desaparecida. Os assassinos traíram a confiança dos Del’Isola. Mataram Maria Cláudia e a enterraram dentro de casa, embaixo da escada. O ex-caseiro, Bernardino do Espírito Santo, e a mulher dele, a empregada Adriana de Jesus dos Santos, foram condenados a, respectivamente, 65 anos e 58 anos de prisão.

Conheça

Lançamento do livro

Dia 9, sábado, às 18h.
Local: Espaço do Autor, na Feira do Livro, Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade.
O tema da Feira do Livro deste ano é O mundo da leitura e a leitura no mundo. O evento vai de amanhã ao dia 17, com entrada gratuita, sempre das 10h às 22h.Cristina Del’Isola

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